Bahia de Todos os Fatos

...1930 - 1939...

Chegam a Salvador as cabeças de lampião e Maria Bonita

Interventores:
Coronel Antônio Fernandes Dantas
Landulfo Alves
Presidente do Tribunal de Justiça:
Pedro Ribeiro de Araújo Bittencourt

Otávio Mangabeira, acusado de conspiração contra o governo Vargas, preso no Rio de Janeiro, juntamente com várias outras pessoas, entre as quais o coronel Euclides Figueiredo. Em consequência da prisão, não participa do Levante Integralista contra o governo, deflagrado em 11 de maio. Mangabeira seria condenado a dois anos de prisão, mas, após quatro meses, obtém habeas corpus no Supremo Tribunal Federal, conseguindo ainda autorização para deixar o país, dirigindo-se inicialmente para a Europa e, depois, fixando-se em Nova York, só retornando ao Brasil após a decretação da anistia em 2 de abril de 1945.

O governo federal decreta a extinção dos jogos de azar no país. Na Bahia, o governo determina aos concessionários dos jogos o encerramento de suas atividades, permitindo, porém, a título de incentivo ao turismo, a construção de um cassino em Salvador, na Barra, área considerada balneário.

Assume o governo o novo interventor no estado, Landulfo Alves de Almeida, que de pronto divulga o seu programa político-administrativo, onde afirma ter como tarefa maior a de “integrar a Bahia ao ritmo do Estado Novo”, deixando à margem quaisquer outros compromissos políticos.

Universitários baianos das escolas de Direito, Agronomia, Engenharia, Medicina e Ciências Econômicas visitam o cônsul da Espanha, Valdez Casas, hipotecando solidariedade ao governo republicano do país, envolvido em violenta guerra civil.

Interventor Landulfo Alves de Almeida

 

É publicado o decreto n° 11.048, do interventor do estado, facultando ao lavrador a aquisição de pequena propriedade agrícola financiada pelo governo, a longo prazo.

Comemora-se com muitas festividades o 1° aniversário do Estado Novo. No Campo da Graça, registra-se uma homenagem com participação de cinco mil crianças, enquanto, na Praça Municipal, os sindicatos também promovem manifestações alusivas ao evento.

O major Cosme de Farias, presidente da Liga Baiana Contra o Analfabetismo, dirige apelo a 95 prefeitos municipais, para que instalem nos seus municípios uma escola primária para crianças pobres, caso não exista estabelecimento oficial de ensino na localidade.

São inaugurados o campo de aviação de Jequié e, em Salvador, o Aeroclube, na orla marítima.

O presidente Getúlio Vargas resolve aposentar compulsoriamente Otávio Mangabeira, aos 52 anos de idade, do cargo de professor catedrático da Escola Politécnica da Bahia. O ato é posteriormente tornado sem efeito.

Segundo matéria veiculada pela imprensa, a Bahia mantém uma posição invejável no setor de riquezas minerais, com grandes jazidas inexploradas de hematita, cromo, cobre e chumbo.

As medidas fiscais do governo estadual para regulamentar o comércio e a exploração de pedras preciosas no estado levam o pânico aos sertanejos (cerca de cinquenta mil pessoas) da região dos garimpos das Lavras Diamantinas, que receiam a estagnação das atividades das quais sobrevivem.

É inaugurada a rodovia que liga os municípios de Morro do Chapéu e Jacobina.

O interventor da Bahia, Landulfo Alves, busca em audiência especial junto ao ministro da Agricultura, Fernando Costa, novos acordos entre a Bahia e o Ministério, no sentido de fomentar a produção agrícola e ampliar o ensino agronômico. Enquanto isso, o cultivo da mamona cresce bastante no estado, e o produto alcança preço compensador no mercado mundial.

Ante os obstáculos impostos pelas próprias autoridades federais para o reconhecimento da existência e possibilidade de exploração de petróleo na Bahia, Oscar Cordeiro, um dos mais ferrenhos defensores da exploração do “ouro negro” no estado, obtém junto ao governo federal uma licença de exploração das jazidas minerais de Lobato e adjacências.

É inaugurado pelo diretor da Viação Férrea Leste Brasileira, o engenheiro Lauro de Freitas, o trem de alumínio, produzido nas oficinas de Aramary. O trem partiu da estação da Calçada em Salvador, em viagem inaugural e instrutiva.

A população de Itaberaba está em festa, com a inauguração da luz elétrica na cidade e de um grande açude, que leva o nome de Juracy Magalhães.

Virgulino Ferreira da Silva, Lampião, é morto na Fazenda Angico, no estado de Sergipe, juntamente com Maria Bonita e mais nove cangaceiros. As cabeças do Rei do Cangaço e de sua companheira são encaminhadas ao Instituto Médico Legal da Bahia, a pretexto de realização de estudos. Ali permaneceriam por longo período (quase trinta anos) em exposição ao público. A trágica morte do maior de todos os líderes do cangaço, que se autodenominava “Governador do Sertão”, sinaliza o fim de uma era nos sertões do Nordeste brasileiro. De uma era marcada pela sobrevivência no campo de uma estrutura de propriedade e relações de trabalho arcaicas e definidas por muitos como semifeudais, pela violência das lutas pela posse da terra e os desmandos praticados pelos coronéis sertanejos, que, não raro, davam proteção e forneciam armamentos e munições aos bandos de cangaceiros, cobrando-lhes em pagamento a eliminação de desafetos. Para uns, Lampião não passava de um bandido sanguinário. Para outros, um herói quase mitológico, símbolo da reação dos despossuídos ante a prepotência e os desmandos dos poderosos, que tinham a seu lado uma justiça subserviente e uma polícia às vezes mais temida do que os próprios bandoleiros, tal a violência e crueldade de suas ações. Permanece, contudo, a sua extrema capacidade de estrategista e a resistência com que afrontou a polícia ao longo dos seus 20 anos de tropelias pelos sertões, entoando com seus “meninos” a canção que compôs homenageando sua “Tia Jocosa” e que é, talvez, a mais popular de todo o cancioneiro sertanejo: a “Mulé Rendera”.

As cabeças de Lampião e Maria Bonita em adiantado estado de decomposição. Há sérias suspeitas de que ela foi degolada ainda com vida.

As cabeças de Lampião e Maria Bonita em adiantado estado de decomposição. Há sérias suspeitas de que ela foi degolada ainda com vida.

“Olê, mulé rendera
Olê, mulé rendá
Tu mi insina a fazer renda
Que eu ti insino a namorá.
Chorou por mim não fica
Só se eu não pudé levá…

 Em sangrenta represália, cinco dias após a morte de Lampião, Corisco, o “Diabo Louro”, remanescente do bando, assassina e degola quatro homens e duas mulheres na casa de um coiteiro que julgou ser traidor, poupando as crianças a pedido de Dadá, sua mulher. Embrulha as cabeças numa rede e encaminha ao tenente Bezerra, com uma carta: “Faça com essas cabeças uma fritada. Matei duas mulheres, para vingar a morte de duas que foram assassinadas em Angico.”

Nova onda de fanatismo no sertão: Pau-de-Colher, município de Casa Nova, é comparada a uma Canudos em miniatura, no que diz respeito à sua característica messiânica e à selvageria com que foi dizimada. Um místico chamado Quinzeiro arregimenta à sua volta um número considerável de fanáticos, instalando-se em Pau-de-Colher. Acreditavam na prática esdrúxula do sacrifício como modo de alcançar a ressurreição no paraíso. O governo do estado é comunicado, e cobra-se a adoção de providências. Enquanto isso, o capitão Optato Gueiros, da polícia pernambucana, atravessa a divisa da Bahia, dizimando a congregação de fanáticos. Chamado ao município de Casa Nova para explicar a sua incursão no estado, justifica-se alegando a existência de um convênio entre os governadores do Nordeste, por meio do qual é permitido o livre trânsito entre as divisas estaduais para o combate ao cangaço, não havendo, no seu entender, diferença entre cangaceiro e fanático.

Matéria na imprensa dá conta do abandono em que se encontra um marco histórico-cultural do país, a cidade de Porto Seguro, que sofre, inclusive, a ameaça de invasão pelas águas do mar. “A cidade é suja, raquítica e pobre, cuja população explora indústrias rudimentares e se alimenta do peixe que os seus mares possuem em quantidade abundante”. A matéria exorta os poderes competentes a adotarem providências, de modo a salvaguardar tão importante monumento histórico.

Fato que emocionou os baianos presentes, além de representantes dos governos estadual e municipal e outras autoridades, foi o ancoramento dos novos submarinos brasileiros Tupy, Tamoio e Timbira. Ao mesmo tempo, levantavam âncora alguns vasos de guerra ingleses até então fundeados em nosso porto.

O cangaço começa finalmente a dar sinais de seu próximo fim, após a morte do líder maior, Lampião. Registra-se a rendição de 16 cangaceiros à polícia, na região de Jeremoabo. Entre estes, um de alcunha “Penedinho”, para mostrar fidelidade à polícia, abate o próprio chefe, “Canário”, cortando-lhe, ainda, a cabeça.

Cria-se na Bahia a Comissão Mista de Conciliação, para julgamento dos dissídios entre empregados e empregadores.

Na Faculdade de Medicina da Bahia, um fato insólito: vigias do prédio vêm vendendo, sistematicamente, partes do arquivo da escola como papel velho, retirando-os aos poucos em horários de menor movimento.

O Esporte Clube Galícia é o campeão baiano de 1937, após gloriosa campanha e merecida vitória final sobre o Ipiranga.

Agrava-se em Salvador a questão da habitação. O progresso vai forçando a demolição de muitos prédios, mas a construção de outros não se faz no mesmo ritmo, resultando na improvisação de moradias. Boa parte da população já se dispersa pelos morros dos bosques da Barra e avenida Oceânica, em casebres cobertos de palha e de “paredes de lata velha”. A imprensa registra, ainda, a existência, na cidade, de 40.000 casas. “É surpreendente o crescimento da Bahia, onde ora se constrói uma casa e meia por dia”.

Fato pitoresco é registrado em Sapucaia, município de Itabuna, onde o indivíduo Joviniano Tibúrcio dos Santos, fazendo-se passar por médium, funda um arremedo de centro espírita, a cujas sessões acorrem pessoas de distantes localidades, e onde “espíritos de luz”, segundo o próprio, com pregação nitidamente integralista, preconiza para breve revoluções e queda do regime vigente, com o integralismo assumindo então o poder. A polícia põe fim à pregação, com a prisão do “agitador”.

É criada a Companhia Lírica Baiana, liderada pelo maestro Humberto Rastelli, estreando no Cine Teatro Jandaia com Rigoletto, direção de Afonso Ruy. O grupo operístico é ligado ao Centro Teatral da Bahia, recém-criado com a finalidade de proteger e estimular as artes cênicas na capital.

Surge a primeira gravação do samba-jongo de Ary Barroso, intitulado “Na Baixa do Sapateiro”, na voz de Carmem Miranda.

“Oi, Bahia, ai, ai,
Bahia que não me sai do pensamento, ai, ai,
Faço o meu lamento, oi, na desesperança, oi,
De encontrar nesse mundo o amor que perdi
Na Bahia, vou contar…”

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