Bahia de Todos os Fatos

...1889 - 1899...

Inicia-se a guerra de Canudos, com o confronto de Uauá

Governadores:
Joaquim Manoel Rodrigues Lima
Luiz Viana
Presidentes da Assembleia Geral:
Antônio Calmon Góes
José Aquino Tanajura
Presidente do Tribunal de Justiça:
Salvador Pires de Carvalho Albuquerque

O governador Rodrigues Lima é acusado de alterar a data das eleições de forma que sejam efetuadas simultaneamente à dos conselhos municipais, intendentes, administradores e juízes de paz, ferindo a legislação em vigor.

É eleito intendente da cidade do Salvador, em 22 de março, José Eduardo Freire de Carvalho Filho, constitucionalista, adversário do governador Rodrigues Lima, derrotando o candidato deste, Luiz Viana. São registradas denúncias de fraudes cometidas pelos federalistas, sobretudo das “verbas suíças” utilizadas pelo partido. Na oportunidade são eleitos também os membros do Conselho Municipal e juízes de paz.

As eleições no interior são marcadas pelas ferrenhas disputas pelo poder, não raro resultando em violência nas mais diversas práticas de corrupção eleitoral. No município de Cachoeira, os federalistas são acusados de diversas fraudes, principalmente a emissão de títulos clandestinos. O jornal Estado da Bahia assim narra o fato: “No dia das eleições, eis que surge uma nuvem de “gafanhotos” munidos de títulos que não constavam das publicações feitas do alistamento, nem das listas fornecidas às mesas. Estas, porém, cientes do “milagre”, recebiam o voto (…)”. Nos municípios de Santa Luz e Itiúba, são solicitadas providências ao governador para evitar conflitos, sob acusação de que autoridades locais pretendem a todo custo alterar o resultado das eleições, inclusive utilizando a força militar.

De Itaparica, surgem denúncias de que o candidato federalista, acompanhado de jagunços, invadiu o local de apuração e realizou a mesma, não permitindo sequer que a junta apuradora legal se reunisse.

Comerciantes de Canavieiras, em pânico, telegrafam ao governo solicitando providências contra os horrores cometidos pelos “clavinoteiros” [bandidos] de Belmonte. Moradores e comerciantes têm suas casas invadidas e saqueadas.

O estado da Bahia prossegue em sua campanha contra o governo Rodrigues Lima, acusando-o, desta vez, de má aplicação dos recursos públicos: “enquanto pensa em formar banda de música para o regimento policial, os professores estão com vencimentos atrasados há quatro meses, a dívida estadual vem aumentando, a febre amarela vem grassando”.

A intendência se defende de acusações veiculadas pela imprensa de que crianças estariam sendo enterradas em caixões descobertos negando o fato. Mas recomenda atenção ao comissariado municipal para impedir que isso aconteça, inclusive por se constituir em problema de saúde pública.

Luiz Viana assume o governo do estado em 28 de maio, eleito após a neutralização da oposição, mantendo, ainda, o controle do Senado e da Câmara. Inicia seu governo procurando fazer uma política de apaziguamento. O jornal Estado da Bahia estampa ruidosas críticas às festas realizadas “às custas de uma verba secreta da polícia”, em homenagem ao novo governador, classificando o antecessor, Rodrigues Lima, como “político sem escrúpulos, que grandes males causou a este estado, patrocinando escândalos e arranjos dos seus genros. Barbarizou o sertão, esbanjou dinheiro público, mandou assaltar a imprensa oposicionista e assassinar os seus redatores, além de eleger com a ajuda da polícia um senador servil”.

A imprensa critica o aumento dos vencimentos do governador e as verbas destinadas à manutenção da sua residência oficial: 20:000$000 anuais, enquanto na Monarquia, pelo mesmo serviço, eram destinados 8:000$000. Critica-se, também, como absurda, a Lei de Aposentadoria para cargos em comissão. O jornal Estado da Bahia satiriza ainda o Legislativo, afirmando que “dentre as medidas importantes desta Assembleia está o acréscimo de vinte contos para o governador comprar carruagens”.

Duras críticas da oposição são feitas ao orçamento estadual, que estaria cheio de distorções, entre os quais a mais gritante desproporção entre o montante destinado “à instrução pública” e o da “força policial”, com vantagem desta última, o que, segundo a oposição, “demonstra a face
militar da Assembleia Estadual, que não visa à educação do povo. 

Rui Barbosa classifica como inconstitucional a medida do governo baiano de tributar os produtos que saem da Bahia para outros estados.

Governador Luiz Viana

 

Noticia-se a indignação popular contra a ação da polícia, muito violenta ao efetuar prisões, com espancamento de presos em praça pública de Salvador, ocasionando até conflitos físicos entre o povo e os policiais.

O jornal Estado da Bahia, ferrenho opositor do governo, reconhece que Luiz Viana “tem desconsiderado muitos atos de loucura cometidos pelo seu antecessor e amigo, Rodrigues Lima, atos insanos que levaram o governo da Bahia a uma dívida sem precedentes”.

Denúncia do jornal Estado da Bahia: “Antônio Conselheiro continua no seu fanatismo, afastando grande massa do povo da vida laboriosa e decente para se entregar à malandrice, sem que S. Exª [o governador Luiz Viana] tome providência alguma que faça cessar esse mal e melhorar as condições das localidades dominadas pelo fanatismo.”

Outra localidade sertaneja, Santa Maria do Ouro, é também palco de graves distúrbios, registrando-se, inclusive, o assassinato de autoridades, sem que providências sejam adotadas para conter a violência.

Enquanto isso, o jornal Estado da Bahia prossegue em suas críticas ao governo divulgando a violência que grassa no interior do estado, com a ocorrência de lutas em Lençóis, Ilhéus e na região do Paraguaçu, “onde as tropas do governo Luiz Viana eliminam, sistematicamente, os oposicionistas”. Há notícias de saques e queima de fazendas, com morte dos proprietários.

O internamento de vítimas da febre amarela, inclusive com registro de óbitos, em hospital localizado no Alto do Bonfim, área de grande densidade populacional, provoca revolta nos habitantes do local, que reclamam ainda do fato de os enfermos e cadáveres serem conduzidos por ruas habitadas.

Novas eleições são marcadas para 1° de novembro, para renovação de um terço do Senado Estadual.
É fundada em Salvador a sociedade União e Beneficência dos Alfaiates.
Luiz Tarquínio renuncia ao cargo de conselheiro municipal.
A imprensa transcreve nota do jornal A República, do Ceará:

“A imprensa da Bahia se tem ocupado largamente de um personagem que, nos sertões daquele estado, faz o papel de faquir, arrastando após si a multidão rude, a quem doutrina num cristianismo obtuso, e à feição do vulgo quase fetichista, que tem de Deus o sentimento mais torpe (..) São boas suas intenções, vagas somente noções que tem das verdades eternas.”

Canudos. Ainda hoje, nos principais locais de combate, são visíveis as marcas da guerra.

Canudos. Ainda hoje, nos principais locais de combate, são visíveis as marcas da guerra.

O juiz Arlindo Leoni aproveita os boatos de que os seguidores de Conselheiro iriam invadir Juazeiro, para retirar madeira por eles comprada e não entregue pelos comerciantes, para solicitar ao governo do estado reforço militar. É enviada uma expedição (a primeira) para combate aos fanáticos, comandada pelo tenente Pires Ferreira, composta de três oficiais e 104 soldados, que travam um único combate com os conselheiristas em Uauá, em 21 de novembro de 1896. A expedição, derrotada, retorna a Juazeiro.

Uauá Nesta praça, em 21 de novembro de 1896, ocorreu o combate entre a primeira expedição comandada pelo tenente Pires Ferreira e os conselheiristas. Os soldados retornaram em farrapos e desmoralizados para Juazeiro.

Uauá
Nesta praça, em 21 de novembro de 1896, ocorreu o combate entre a primeira expedição comandada pelo tenente Pires Ferreira e os conselheiristas. Os soldados retornaram em farrapos e desmoralizados para Juazeiro.

Começa a circular em Cachoeira o jornal O Cachoeirano, órgão do Partido Republicano Constitucional, que faz oposição aos atuais governantes.

A ópera O Guarani é apresentada no Politeama Baiano, em homenagem ao seu autor, o maestro Carlos Gomes, então enfermo no Pará. Dias depois, seu falecimento comove a nação.
Começa a circular A Aspiração, periódico sob a direção de estudantes da Escola Agrícola.

 “Minha gente, venha ouvir
A história que eu vou contar.
Quem tiver coração fraco
É melhor não me escutar,
São muito tristes os fatos
Que eu aqui vou narrar.
No ano noventa e seis
Do século que passou,
Uma luta sanguinária
No sertão principiou.
Foi a Guerra de Canudos
Que a História não contou.
Nas terras de Belo Monte
Um vilarejo surgiu,
Gente pobre e injustiçada
Pela miséria se uniu,
Sob as leis do Conselheiro
Contra um governo vil.
A propriedade comum
Dos meios de produção
Definia a estrutura,
Criava de antemão
A sociedade que era
Comunidade de irmãos.
Mas este modo de vida,
Em que o povo vivia,
Garantia o seu sustento
A paz e a harmonia,
Na realidade era tudo
Que aquele povo queria.
Por isso os donos de terra
Não podiam permitir
Que essa sociedade,
Pudesse então prosseguir;
Pediram para o governo
Que a fosse extinguir.
E o governo, obedecendo
aos senhores donos da terra,
Levou ao povo de Canudos
Os horrores de uma guerra.
Que durou quase um ano
E em noventa e sete encerra.
Nessa guerra monstruosa,
Os heroicos guerrilheiros
Venceram expedições
Do Exército Brasileiro,
Lutando sob o comando
De Antônio Conselheiro
As expedições armadas
Tiveram por comandantes
Oficiais do Exército
Valentes e confiantes,
Canhões e cavalaria,
E alguns milhares de infantes.
Primeiro foi um tenente,
Em seguida um major,
Depois foi um coronel,
Que tinha Estado Maior
Por fim cinco generais
Pra desatar esse nó.

 (José Guilherme da Cunha. Canudos: a luta)

Pintura de T. Gaudenzi. Os prisioneiros eram amarrados, depois eventrados e degolados.

Pintura de T. Gaudenzi. Os prisioneiros eram amarrados, depois eventrados e degolados.

Em ato solene, com a presença de várias personalidades, registra-se a inauguração do Instituto Politécnico.
Morre, no Rio de Janeiro, Manoel Vieira Tosta, o marquês de Muritiba.
É inaugurada a estação da Estrada de Ferro Salvador-Juazeiro.

A intendência do município de Salvador faz publicar a proibição do jogo do entrudo no Carnaval, brincadeira originária do interior de Portugal e trazida para o Brasil, que consiste em atirar sobre os adversários água ou outros líquidos menos perfumados e, depois, empastá-los com farinha. A brincadeira é considerada anticivilizada e prejudicial à saúde pública. Em substituição a essa prática abusiva, fica liberado o uso de máscaras e o levantamento, nas praças e cidade e subúrbios, de pavilhões e coretos, os quais deverão ser depois retirados, reparando-se convenientemente as calçadas e o solo em que forem assentadas tais construções.

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