Bahia de Todos os Fatos

...1940 - 1949...

Interventor extingue o tribunal de contas

Interventores:
Landulfo Alves
General Renato Onofre Pinto Aleixo
Presidente do Tribunal de Justiça:
Euvaldo Luz

O ano se inicia com a decisão de Getúlio Vargas de romper os laços diplomáticos do Brasil com os países do Eixo: Alemanha, Itália e Japão. Entretanto, as forças políticas baianas mais organizadas não se conformam com a timidez da atitude de Vargas e começam a se mobilizar. É da Bahia que vai partir o primeiro impulso para a adoção de uma atitude mais radical. Os comunistas, que mesmo na clandestinidade haviam se reorganizado, começam a levar o povo às ruas. A emoção popular é incontida, e chega-se a depredar a loja de charutos Dannemann e Cia., de descendentes de alemães. O país inteiro toma conhecimento do movimento na Bahia, o qual crescerá inevitavelmente.

Entre as pressões externas, principalmente dos Estados Unidos e as do povo, Vargas começa a adotar medidas voltadas a um provável envolvimento brasileiro no cenário da guerra. Recomenda ao general Estevão Leitão de Carvalho, inspetor das Regiões Militares de Recife e Salvador, que levante o ânimo do povo do Nordeste. Em Salvador, o general ressalta, junto à população, o papel dos baianos nas lutas pela liberdade e, cumprida a missão, diz a Vargas que “… se pode contar inteiramente com o povo do Nordeste para repelir qualquer agressão nazista”.

A Rádio Sociedade da Bahia cria um programa intitulado “A Marcha para a Vitória”, para divulgar notícias vindas da Inglaterra, alardeando a bravura dos ingleses cuja resistência vai, aos poucos, detendo o avanço nazista.

É realizada a primeira reunião de senhoras baianas, a convite de Elza Alves, esposa do interventor federal, Landulfo Alves, para a formação do Núcleo Baiano da Legião Brasileira de Assistência, que se destina a amparar as famílias dos soldados brasileiros.

Organiza-se a Frente Antifascista e Pró-Aliados, com o objetivo de vigiar o movimento dos suspeitos de participação na Quinta Coluna (movimento de organização dos fascistas). Cresce o sentimento de revolta contra o Eixo, à medida que chegam notícias de prisões de brasileiros na França ocupada e de afundamento de navios mercantes em águas territoriais brasileiras próximos à costa da Bahia. Os baianos exacerbam nas manifestações contra espanhóis, alemães e italianos residentes em Salvador e até no interior, como em São Félix, Cachoeira e Ilhéus. Até prisões acontecem. A propriedade privada é desrespeitada. Chega-se ao quase incontrolável, e o governo resolve dar um basta na situação. 

A polícia apreende grande quantidade de material bélico na Casa Colombo, sendo preso o espanhol Hipólito Mosqueira, proprietário da loja.

A Secretaria de Segurança Pública, com o objetivo de fazer retornar à normalidade a vida baiana, avisa que não permitirá reuniões, manifestações ou agrupamentos nas vias públicas ou, até mesmo, em casas particulares. A Secretaria de Educação determina a instauração de inquérito para apurar uma denúncia de estudantes contra o professor catedrático do Ginásio da Bahia, Herbert Parentes Fortes, titular da cátedra de Sociologia, o qual acusam de propagar a ideologia fascista.

Surge o boato, principalmente nas rodas de amigos e políticos na rua Chile, de que o governo federal, em consequência da guerra, irá proibir a realização de casamentos.

Os estudantes baianos oficializam a sua luta contra o nazifascismo, instalando na Faculdade de Direito, em sessão solene presidida por Aloísio de Carvalho Filho e da qual participam autoridades civis, militares e diplomáticas, a Comissão Central Estudantil pela Defesa Nacional e Pró-Aliados.

A ideia fixa de que a Alemanha invadirá o Brasil e, começando pela Bahia, dominará a sociedade. A partir da organização estudantil, a vida de Salvador é diariamente sacudida por passeatas, comícios, manifestações de toda ordem, tudo temperado com muito civismo e emoção. O Hino Nacional e a Marselhesa se igualam, reforçados por palavras de ordem. Professores e políticos, jornalistas, médicos, enfim, profissionais de toda ordem apoiam os estudantes, contagiam os trabalhadores, e a sociedade se fecha em torno de um Brasil que “aguarda ansiosamente o instante de tomar armas para vingar as vítimas do nazismo.” O interior do estado também se mobiliza, com o envio das “embaixadas” estudantis à capital. 

J.J. Seabra dá uma entrevista à revista Diretrizes, aos 87 anos, ocasião em que faz a sua profissão de fé: “Eu sou liberal. Liberal até a morte. O mundo não pode viver sem liberdade. No liberalismo formei o meu espírito e fiz a minha educação política. Defenderei sempre a liberdade. Eu ainda não depus as armas. Ainda quero viver depois desta guerra. Depois da derrota do miserável Hitler e do infame Mussolini”. E vai mais adiante, ao revelar a sua personalidade política: “Na luta, não nego, sou feroz. Depois acaba. O que passou passou. Na minha vida política, tive inimigos terríveis, que, mais tarde, se tornaram meus amigos. Briguei com Glicério, com Rui, com Alcindo Guanabara, com Pinheiro Machado, com Arthur Bernardes. Todos viraram meus amigos, não tinha palavras contra nenhum deles”.

Interventor Renato Onofre Pinto Aleixo

 

É nomeado pelo presidente Getúlio Vargas o novo interventor federal para a Bahia, o coronel Renato Onofre Pinto Aleixo, comandante da 6ª Região Militar. Pouco tempo após a posse, é promovido a general. Conhecido pelas suas maneiras ríspidas, não tem meias palavras para resolver qualquer situação mais incomum. Por ocasião da posse, por exemplo, ao tomar conhecimento de que o seu antecessor, Landulfo Alves, havia nomeado parentes e amigos para o Tribunal de Contas, num gesto de arbitrariedade até então desconhecido pelos baianos, decreta a extinção daquela Corte (as três nomeações que mais chamaram a atenção foram as de Pedro Gordilho, Urbano Pedral Sampaio, ex-secretário da Segurança Pública e Genaro Pedreira). Tal ato não passaria em branco para o irreverente Guilherme Andrade (da Academia Baiana de Letras):

“Pedreira, Pedral, Pedrito, 
Tudo pedra, por igual.
Esse bloco de granito
Acabou com o Tribunal.
O Tribunal está extinto
Oh, meu Deus, quanta desgraça!
Quem disser que Aleixo é pinto
Nunca viu galo de raça.”

O prefeito Elísio Lisboa assina o decreto-lei no 97, desapropriando os terrenos denominados Armação, para a instalação do Aeroclube da Bahia.

É instituído o Dia Panamericano, com muita pompa e muitas falas vibrantes, no Instituto Geográfico e Histórico. Segue-se desfile de estudantes com cartazes satíricos a Hitler e ostensiva condenação ao integralismo: “Ser integralista é ser traidor”, dizem os cartazes.

Realiza-se um movimento em favor da coleta de metais para a Marinha de Guerra.

Em sessão pública no Teatro Guarani, o povo baiano presta homenagem ao México, pela sua declaração de guerra aos países do Eixo.

Morre no Rio de Janeiro o ex-governador J.J. Seabra. Nascido em Salvador, em 1855, numa roça da rua Uruguai, formou-se em Direito pela Faculdade de Direito de Recife e se fez merecedor do prêmio instituído pelo imperador D. Pedro I, atribuído ao aluno que fosse louvado com distinção do primeiro ao último ano do curso. Lá, também defendeu tese para se doutorar em Direito. No início da vida profissional, foi primeiro promotor público de Salvador, onde se confirmou como mestre em Retórica. Volta a Recife como professor da Faculdade de Direito. Em relação ao abolicionismo, manteve-se em posição de neutralidade. Iniciou vitórias sucessivas: deputado federal por três legislaturas, ministro de Estado, governador da Bahia por duas vezes e senador. Na década de 30, divergiu da revolução que inicialmente apoiara, por discordar dos seus rumos, e promove forte oposição a Juracy Magalhães, nomeado interventor da Bahia. A sua biblioteca é doada ao estado, conforme manifestação de sua própria vontade.

Outro ilustre baiano a desaparecer neste ano é o médico Otaviano Pimenta, popularmente conhecido como “médico dos pobres”.

O decreto-lei no 4.080 institucionaliza a União Nacional dos Estudantes (UNE).

Forma-se a primeira turma de enfermeiras de emergência. Mulheres baianas inscrevem-se patrioticamente para serem úteis ao Brasil. 

O final do ano se caracteriza pela mobilização máxima, com a realização do IV Congresso dos Universitários em Salvador, voltado para traçar planos de ajuda ao governo, no combate ao nazismo.

A Companhia Progresso União Fabril da Bahia S/A, de propriedade do sr. Bernardo Martins Catarino, inaugura uma usina elétrica em Plataforma. 

A Bahia começa a produzir gasolina, gerando oito barris diários.

Dorival Caymmi

Dorival Caymmi

O coronel Luís Carlos Costa Neto adquire o controle acionário do Diário da Bahia.

Exportadores baianos reclamam da formação de cartéis em torno da exportação do cacau, já que apenas sete firmas, das quais seis estrangeiras, detêm o privilégio de exportar os dois milhões e duzentas mil sacas do produto.

O I Congresso Americano de Escritores, realizado na Argentina, tem Jorge Amado na comissão diretora.

Dorival Caymmi apresenta-se no cinema Jandaia. 

O major Cosme de Farias impetra habeas corpus em favor de Sérgia Ribeiro da Silva, vulgo “Dadá”, viúva do cangaceiro Corisco.

São distribuídas pelo major Cosme de Farias, presidente da Liga Baiana Contra o Analfabetismo, 5.000 cartilhas de ABC, c Dorival Caymmi ontendo o Hino Nacional.

Salvador é iluminada pelo óleo extraído do poço de Lobato.

Sob a presidência do professor Eduardo de Morais, surge a Associação Baiana de Medicina.

É instalada a Legião Brasileira de Assistência, secção da Bahia.

A obra A vida de Rui Barbosa, de Luiz Viana Filho, sofre veladas críticas do escritor Homero Pires.

A firma Frutos G. Dias lança no mercado de Salvador um tipo de gasogênio destinado a solucionar definitivamente o problema do combustível, que se agravou com a guerra na Europa.

Salvador enfrenta grande crise de abastecimento de carne bovina, com denúncias de que os bois são abatidos nas estradas.

Na sessão de comemoração do Cinquentenário do Tribunal de Apelação, o seu presidente, desembargador Fernando Luz, propõe que fique instituída oficialmente essa data  como o Dia do Magistrado.

A Baixa dos Sapateiros passa a se chamar rua J.J. Seabra.

A Real Sociedade Portuguesa de Beneficência põe seu hospital à disposição do governo do estado para internamento das vítimas dos torpedeamentos. E o Clube Baiano de Tênis põe também sua sede à disposição.

É concluída a estrada que liga a Pituba a Itapuã, onde está situado o aeródromo de Ipitanga.

O terreiro de Camuju-Pitiá, do pai de santo Joãozinho da Gomeia, recebe a visita da bailarina carioca Any Guaíba, que deseja conhecer a dança dos orixás. Dois meses depois, a convite da artista, o mesmo pai de santo segue para o Rio de Janeiro a fim de apresentar o autêntico candomblé da Bahia.

O cineasta Orson Welles passa alguns dias em Salvador, filmando as ladeiras da Montanha e da Misericórdia. Em entrevista, declarou achar a Bahia “um lugar fora do comum”.

Ary Barroso, compositor que, não sendo baiano, mais produziu música sobre a Bahia, compõe o samba “Faixa de Cetim”, gravado por Orlando Silva.

“Bahia, terra de luz e amor
Foi lá onde nasceu o Nosso Senhor,
Bahia de iáiá e de iôiô
Da mãe preta carinhosa,
Que no colo me embalou.
Quando eu nasci na Cidade Baixa,
Me enrolaram numa faixa,
Cor de rosa de cetim,
Quando eu cresci, dei faixa de presente,
Pra pagar uma promessa,
Ao meu Senhor do Bonfim.
Pedi que ele abrisse o caminho de felicidade,
Pedi que ele desse o carinho pra minha mocidade,
Sou feliz, e ninguém mais feliz que eu
Bahia, Senhor do Bonfim me atendeu”.

(Ary Barroso. Faixa de Cetim)

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