Bahia de Todos os Fatos

...1940 - 1949...

Salvador às escuras: “Black-out” preventivo

Interventores:
General Renato Onofre Pinto Aleixo
Presidente do Tribunal de Justiça:
Euvaldo Luz

Em Salvador, realiza-se grande comício, em comemoração ao rompimento, pelo Brasil, de relações com os países do Eixo.

O ano se inicia, na Bahia, com o sentimento antinazista em franca expansão. Estimulam-se os baianos à postura da delação e, a partir daí, muitas arbitrariedades acontecem e as injustiças parecem não ter fim. Sequer religiosos ficam livres da sanha de perseguição, que se desloca até para o interior do estado.

Alemães e cidadãos de outras nações do Eixo residentes no Brasil passam a sofrer sérias restrições: não podem sair do território brasileiro, necessitam de salvo-conduto para se movimentarem internamente, são obrigados a comunicar mudança de domicílio, não podem possuir embarcação, avião ou aparelho transmissor de rádio.

Em Salvador, as sedes dos Consulados Alemão e Italiano são fechadas, e até o Colégio Alemão, conceituado educandário, tem o mesmo destino.

Posteriormente, são também fechadas as filiais do Banco Alemão Transatlântico e do Banco Francês-Italiano.

É fundada, no Rio de Janeiro, a Sociedade Amigos da América, com o objetivo de apoiar a luta dos aliados na Segunda Guerra.

Constituindo-se também em núcleo de oposição ao Estado Novo, foi fechada em 1944 e reaberta em 1945, absorvida pela UDN.

Associações de classe e beneficentes, e até o Círculo Operário da Bahia, promovem verdadeira devassa na vida dos seus associados, com a finalidade de expurgar todos aqueles que mantiverem qualquer vínculo com os países do Eixo.

A Delegacia de Ordem Política e Social (DOPS) intensifica suas ações. São revistadas casas particulares e até o convento de São Francisco tem o seu claustro invadido, para apreensão de publicações consideradas propaganda nazista, apesar do seu cunho religioso.

Detalhe do púlpito da igreja de São Francisco “...São Francisco é notável pelo contraste que existe entre o interior da igreja, coberto de ouro e de esculturas sensuais, e seu claustro, conservado calmo, fresco e azul.” (Retratos da Bahia. Pierre Verger)

Detalhe do púlpito da
igreja de São Francisco
“…São Francisco é notável
pelo contraste que existe
entre o interior da igreja,
coberto de ouro e de
esculturas sensuais,
e seu claustro, conservado
calmo, fresco e azul.”
(Retratos da Bahia.
Pierre Verger)

O prédio onde funciona o jornal O Imparcial sofre tentativa de invasão pelos integralistas.

Os integralistas passam a ser vítimas da repressão. É citado na imprensa o caso do cidadão Rômulo Mercuri, de origem italiana, que ilustra bem esse momento. Em escavações realizadas pela polícia no quintal da sua casa, é encontrado um garrafão, a dois metros da superfície, contendo as fichas biográficas de vários integralistas e a missão que caberia a cada um desempenhar. Como, porém, havia no garrafão nomes importantes, tudo se desenvolve no mais completo sigilo… 

A onda de detenção cresce, com indiciamentos (que já chegam a 110 no início do ano) e prisões (156), contando-se alemães, italianos, um japonês, austríacos, um húngaro e um alemão naturalizado brasileiro.

Com o objetivo de reduzir o perigo de sabotagem, o DOPS ordena que alemães e italianos de Salvador e de cidades litorâneas do estado se transfiram para o interior. São-lhes reservados os municípios de Andaraí, Caetité, Maracás, Mucugê e Seabra.

Os cidadãos considerados simpatizantes do Eixo que, por qualquer razão, se recusam a ir para o interior, ficam concentrados na Vila Militar da Força Policial dos Dendezeiros, na Cidade Baixa.

Circula na capital a notícia de que “o Eixo se partiu”, com a saída da Itália. O povo baiano comemora ruidosamente. Nos restaurantes e bares da cidade, grupos entusiasmados mandam abrir cerveja à vontade e muitas garrafas de champanhe espoucam, em meio à alegria incontida dos baianos. Muitos italianos se juntam ao povo nas ruas, visivelmente alegres. A notícia da queda de Mussolini faz com que o povo se dirija para a rua Chile e improvise um comício, após o qual é feito o enterro simbólico do “Duce”.

A orientação dada às atividades econômicas do estado para atender às necessidades da guerra começa a prejudicar a vida do baiano. Reduz-se a produção de alimentos e o governo do estado passa a importá-los do sul do país, o que se reflete no custo de vida. O racionamento dos combustíveis, desde o ano anterior, dificulta e encarece o transporte, tornando insuportável a vida na Bahia.

“Toucinho hoje em dia
Anda de ração
Muita gente hoje não acha
Gordura para o feijão
Porque o pelancudo
Anda agora de avião.
Mestre açúcar eu não falo
Porque me pediu segredo
Disse a mim somente
Não cedo nem um dedo
Quem quiser que vá tomando
O seu cafezinho azedo.

(Cuíca de Santo Amaro. A Luta da Carne Verde)

Como medida de guerra, o rio São Francisco fica sob controle do Ministério da Marinha.

As obrigações de guerra, sob a forma de subvenções compulsórias baseadas no Imposto de Renda, são outro horror na vida dos baianos. Cobradas tanto na capital quanto no interior, são divididas em cotas mensais, a serem pagas na Delegacia do Imposto de Renda. Estima-se em vinte e seis milhões de cruzeiros a contribuição dos baianos.

É lançada pela C. Sampaio e Cia. a vendagem de bônus de guerra. A empresa oferece um desconto de 20% em todas as suas mercadorias, cujos lucros serão revertidos para os aliados envolvidos no conflito.

Assis Chateaubriand adquire o jornal Diário de Notícias, de Salvador.

Um incêndio destrói totalmente o Mercado Modelo.

É instituída a merenda escolar na Bahia, pela Legião Brasileira de Assistência (LBA), presidida pela sra. Ruth Aleixo.

É assinado pelo interventor um decreto-lei isentando de impostos e taxas estaduais, pelo prazo de cinco anos, as indústrias que venham a se estabelecer no estado para o aproveitamento e beneficiamento da borracha.

O estado se insere na campanha de coleta de borracha usada, como forma de ajudar os países aliados na guerra contra os nazistas.

É instalada na Bahia uma filial do Banco de Crédito da Borracha. 

O black-out parcial da costa baiana (como de resto, da costa brasileira) é outra medida preventiva que muitos contratempos trazem à vida dos baianos. O rigor da medida praticamente deixa as cidades litorâneas sob a luz da Lua e das estrelas. Dificulta-se, assim, um eventual bombardeio por parte dos alemães.

O interventor Pinto Aleixo assina decreto que dispõe sobre a extração, beneficiamento, comércio, industrialização e exportação do pó do ouricuri, pequeno coco nativo da caatinga.

O Carnaval gera polêmica entre a população, com uma parcela defendendo a sua realização e outra condenando-a como um despropósito, ante as dificuldades enfrentadas num momento particularmente difícil. Mas a distância do palco da guerra e a força cultural reclamam a festa. 

A diversão se sobrepõe à gravidade do momento, e o prefeito de Salvador, Elísio Lisboa, conclama o povo a festejar “sem esquecer a guerra”. Não é o que acontece, porém, e o Carnaval acaba desanimado. O racionamento da gasolina reduz os desfiles de carros alegóricos; as fantasias, os confetes e os lança-perfumes estão caros e, finalmente, proíbe-se o uso de máscaras, a grande alegria do folião comum.

“Proibir o Carnaval não me parece acertado!
Será mesmo desigual proibir o Carnaval…
Porque não há nenhum mal
Em se viver mascarado…
Proibir o Carnaval não me parece acertado!…
Se é por causa da guerra, aqui meu protesto deixo
Quem pensa assim é que erra
Se é por causa da guerra…
Em chegando à nossa terra,
Momo já quebrou o Eixo.
Se é por causa da guerra,
Aqui meu protesto deixo!”

(Joel Presídio)

 A PRA 4 Rádio Sociedade da Bahia lança o programa de radioteatro “Ribalta no Ar”, que leva aos ouvintes esquetes cômicos e dramalhões representados por atores da CBC (Companhia Baiana de Comédias).

Morre no Rio de Janeiro, aos 61 anos de idade, o médico Aristides Maltez, baiano de Cachoeira, um dos maiores nomes dedicados à luta contra o câncer. Bacharel em Ciências e Letras, lecionou inglês, latim, francês, grego, português e ciências físicas e naturais. Forma-se, posteriormente, em Medicina, em Salvador, tendo como ponto culminante a sua atividade médica com a dedicação exclusiva no combate ao câncer. Em 1939, graças ao apoio de Landulfo Alves, adquire a área da Chácara Boa Sorte, em Brotas, onde inicia a construção do Instituto de Câncer da Bahia (semente da Liga Baiana Contra o Câncer), um dos hospitais especializados do Brasil. Após a sua morte, o hospital passa a levar o seu nome.

A carne passa a ser racionada em Salvador. Fichas são distribuídas nas escolas e o comissário de abastecimento exerce controle sobre os açougues, que são indicados pelas donas de casa ao preencherem as fichas do censo domiciliar.

Estudantes baianos manifestam solidariedade ao escritor e sociólogo Gilberto Freyre, atacado por meio de um manifesto do Diretório Acadêmico da Faculdade de Direito do Recife, dominado por jovens pró-fascistas. Posteriormente, o notável estudioso pernambucano viria a Salvador para a realização de conferências, a convite da União dos Estudantes da Bahia.

Quase no topo da serra do Marçal, a 900 metros de altitude, entre os municípios de Vitória da Conquista e Itapetinga, é erigido um busto em bronze do presidente Getúlio Vargas.

Jorge Amado publica Terras do Sem Fim, romance que retrata os violentos anos do coronelismo no auge da exploração do cacau, em 1912.

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