Bahia de Todos os Fatos

...1960 - 1969...

Fogo destrói água de meninos, em ano de enchentes e cassações

Governador:
Lomanto Júnior
Presidente da Assembleia Legislativa:
Orlando Spínola
Presidente do Tribunal de Justiça:
Renato Rollemberg da Cruz Mesquita

Enchentes de grandes proporções afligem o estado, causando enormes prejuízos à produção agropecuária e inundando cidades, O presidente João Goulart se desloca pessoalmente à Bahia, desembarcando no Aeroporto da Base Aérea de Ipitanga, para “trazer o seu estímulo e solidariedade ao valoroso povo baiano e, sobretudo, para trazer os recursos que permitam a recuperação das regiões atingidas pelas enchentes”.

O governador Lomanto Júnior promove encontro de governadores em Salvador, no Palácio Rio Branco, de 24 de fevereiro a 2 de março, quando se discute a seguinte pauta: 1) nova discriminação das rendas públicas face à emenda constitucional no 9; 2) empréstimos compensatórios; 3) fortalecimento da Federação brasileira.

Em comício na Praça da República, ao lado da Central do Brasil no Rio de Janeiro, em 13 de março, com grande afluência popular, o presidente João Goulart anuncia as reformas de base do seu governo, concebidas em caráter prioritário, com mais ênfase na reforma agrária. Anuncia, ainda, a encampação das refinarias de petróleo particulares. No palanque, pregando plebiscito e constituinte, o governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola.

O deputado Wilson Lins discursa na Assembleia Legislativa, analisando a situação nacional e mostrando as ameaças contra a democracia originárias, no seu entender, do governo federal. Classifica o comício do dia 13 de março como ato inegável de ilegalidade e demagogia. “Os que amam a liberdade não serão ingênuos a ponto de deixarem o país se transformar em nova Bulgária, Polônia ou Cuba”, afirma.

É grande a convulsão política no país. As greves dos trabalhadores urbanos e a agitação dos camponeses em luta pela reforma agrária têm sua contrapartida na resistência dos setores mais conservadores do empresariado e das oligarquias rurais, que vão encontrando grande base de apoio na cada vez mais assustada classe média urbana, e também entre os militares, cada vez mais descontentes com os rumos seguidos pelo governo constituído, ao qual acusam de não mais deter o controle da situação. A necessidade de eliminação da chamada “ameaça comunista” atrai também para os setores conservadores, ainda que de forma velada, o apoio de forças externas, capitaneadas pelo governo norte-americano, a quem causava arrepios a simples hipótese de um governo socialista num país da importância do Brasil. Tudo vai desaguar na deposição, pelas Forças Armadas, do presidente João Goulart. O movimento militar de 31 de março, iniciado nos quartéis, conta com o apoio de lideranças civis das mais expressivas no país, como Carlos Lacerda, no Rio de Janeiro, Magalhães Pinto, em Minas Gerais, e Adhemar de Barros, em São Paulo. Assume a Presidência da República o marechal Humberto de Alencar Castelo Branco.

Jorge Amado toma posse na Academia Brasileira de Letras.

Jorge Amado toma posse na Academia Brasileira de Letras.

Na Assembleia Legislativa, em decorrência da nomeação do ex-governador Juracy Magalhães para o cargo de embaixador do Brasil nos Estados Unidos, é aprovada moção de congratulações ao presidente Castelo Branco. É ainda apresentada outra moção na qual a Assembleia se congratula com o presidente “pelo rompimento das relações diplomáticas do nosso país com a tirania comunista que ensanguenta Cuba e afronta o nosso continente.”

Na Assembleia, os deputados Wilson Lins, Francisco Benjamin, José Carlos Facó, Moitinho Dourado, Antônio Albuquerque, Áureo Filho e Joel Muniz assinam moção nos seguintes termos: “A Assembleia Legislativa do estado, fiel aos sentimentos democráticos do povo baiano, expressa sua solidariedade às forças democráticas civis e militares que, obedientes aos governadores Magalhães Pinto, Adhemar de Barros, Carlos Lacerda, Ney Braga, Mauro Borges, lldo Meneghetti e aos militares Amaury Kruel, Mourão Filho, Castelo Branco, Justino Alves, entre outros, estão lutando para restaurar no Brasil a legalidade democrática, vítima de traição de um governo que se cumpliciava com os piores inimigos da liberdade, os comunistas”. Na mesma sessão, o deputado Ênio Mendes e outros da esquerda apresentam moção de solidariedade irrestrita ao presidente João Goulart, pela defesa da legalidade constitucional.

O comando da 6ª Região Militar encaminha à Mesa Diretora da Assembleia Legislativa, presidida pelo deputado Orlando Spínola, a relação nominal dos deputados e suplentes a serem cassados. Em consequência, a Mesa, em conformidade com a resolução no 513, de 28 de abril de 1964, declara extintos os mandatos dos deputados Diógenes Alves, Ênio Mendes, Afrânio Lira, Jarbas Santana, Paulo da Mata e Sebastião Nery (que acaba preso no Rio de Janeiro), além do suplente Aristeu Nogueira.

O deputado Orlando Spínola é reeleito para a presidência da Assembleia Legislativa.

O comandante da 6ª Região Militar, general Mendes Pereira, comunica a prisão do prefeito Virgildásio Sena, naquele quartel. É convocado para substituí-lo temporariamente na chefia do Executivo Municipal o presidente da Câmara, vereador Antônio Casaes. O comando militar garante que “as prisões de elementos comunistas vão continuar agora com mais intensidade e todos aqueles considerados subversivos serão recolhidos aos quartéis militares para posterior processo judicial”

A Mesa Diretora da Assembleia Legislativa, sob a presidência de Orlando Spínola, constitui comissão especial, integrada pelos deputados Djalma Bessa, Francisco Benjamin e Paulo Nunes, com o objetivo de investigar os funcionários envolvidos no “movimento subversivo comunista”.

É fundada na Bahia a União Cívica Feminina, presidida pela professora Edith Mendes da Gama Abreu. Na sua primeira sessão ordinária, que conta com a presença de uma representante do Círculo Operário da Bahia, a presidente declara que “o credo vermelho tem suas raízes mais profundas onde existe o desamparo e o pauperismo”, ressaltando que “a União tem por fim evitar que a situação tome vulto, numa campanha que irá até o interior do estado”.

É cassado o mandato de senador do ex-presidente Juscelino Kubitschek.

Na onda política de cassações e impedimentos, é votado o do prefeito de Vitória da Conquista, Pedral Sampaio, em seguida à sua prisão pelos militares. Em Salvador, é noticiada pelo comando da 6ª Região Militar a prisão do professor Milton Santos, fato ocorrido vários dias antes da divulgação.

A deputada Ana Oliveira, em sessão da Assembleia Legislativa, convida funcionários e parlamentares a participar da “Marcha da Família com Deus pela Democracia”, pelas ruas da cidade, “como agradecimento a Deus e às Forças Armadas pela redemocratização do país”. Para essa finalidade, por ato da Mesa Diretora, é suspenso o expediente da Assembleia no dia 15 de abril.

Iniciada com “Te Deum” oficiado pelo cardeal dom Álvaro Augusto da Silva, na Catedral Basílica, realiza-se a “Marcha da Família com Deus pela Democracia”, a qual se encerra no Campo Grande, junto ao monumento ao Dois de Julho, onde alguns oradores se sucedem, entre eles o vice-governador Orlando Moscoso.

O ministro da Guerra do novo governo, marechal Artur da Costa e Silva, proclama o Ato Institucional nº 1, destinado a consolidar o novo regime instituído no país. O ato estabelece, entre outras coisas, a eleição do presidente da República e seu vice pela maioria do Congresso Nacional, em sessão aberta, com votação nominal; delega poderes ao presidente para decretar estado de sítio, e ao chamado “comando supremo da revolução” para cassar mandatos legislativos e suspender direitos políticos pelo prazo de dez anos.

É declarada a suspensão dos direitos políticos de noventa e oito cidadãos –dentre eles os baianos Francisco Mangabeira, Waldir Pires e Hélio Ramos – e cassados os mandatos de quarenta e oito deputados, entre os quais os representantes da Bahia na Câmara Federal, Fernando Santana, João Dória e Mário Lima, cujos suplentes Nonato Marques, Cícero Dantas e Mário Piva são logo chamados a Brasília. No gabinete presidencial, alguns baianos ocupam postos importantes, como Luiz Viana Filho, ministro extraordinário para assuntos da Casa Civil, Eugênio Gomes, secretário particular, e Navarro de Brito, que exerce funções no gabinete de Luiz Viana.

Toma posse como prefeito de Salvador o engenheiro Nelson Oliveira, em substituição a Virgildásio Sena, preso e cassado pelos militares.

A Bahia e o Brasil perdem o político e jurista João Mangabeira, falecido no Rio de Janeiro. Fundador da Esquerda Democrática, em 1946, movimento que constituiria, mais tarde, o PSB (Partido Socialista Brasileiro), do qual foi sempre o presidente, João Mangabeira desaparece logo após a cassação do seu mandato de deputado federal.

Após ter o mandato cassado, é preso e recolhido ao quartel de Narandiba o deputado e líder ferroviário Diógenes Gonçalves.

O jurista Aliomar Baleeiro é convidado por Luiz Viana Filho para exercer a função de subchefe da Casa Civil da Presidência da República.

Cenas de violência na Câmara Federal, quando os deputados baianos Hermógenes Príncipe e Antônio Carlos Magalhães discutem sobre a intervenção federal em Goiás e o primeiro saca um revólver para atingir o seu interlocutor na discussão. A turma do “deixa-disso” intervém e evita o pior.

Waldir Pires, deputado federal baiano e consultor geral da República do governo deposto de João Goulart, após ter seus direitos políticos cassados pelo Ato Institucional nº 1, segue para exílio no Uruguai e, em seguida, para a França onde passa a lecionar Direito Constitucional na Universidade de Dijon.

Com base no Ato Institucional nº 1, o governo militar decreta o fechamento da União Nacional dos Estudantes.

Os deputados Juarez Hortélio, Mendes Neto e Francisco Benjamin, todos bacharéis em Direito, são designados para integrar uma comissão especial com o objetivo de elaborar projeto de reforma da Constituição Estadual, adaptando-a às normas estabelecidas pelos atos institucionais.

A Mesa Diretora da Assembleia Legislativa reúne-se para tratar da demissão de alguns funcionários que, por força do golpe militar, deixaram o país, asilando-se em embaixadas.

O governador Lomanto Júnior declara-se favorável ao Estatuto da Terra (documento do governo Castelo Branco) e pela reforma agrária, garantindo que a Bahia já lidera a sua execução, com a construção do núcleo colonial Landulfo Alves, no município de Candeias.

A Assembleia Legislativa recebe mensagem do Executivo com alguns vetos ao projeto que ficaria conhecido pelos baianos como “o trenzinho da alegria da Assembleia”, tais os favores que concedia a funcionários.

Chega a Salvador o governador da Guanabara, Carlos Lacerda, pretenso candidato da UDN à Presidência da República. Os udenistas baianos o recebem na sede do partido e, ante a ausência dos três Magalhães (Juracy, Antônio Carlos e Jutahy), seus dirigentes, declaram por conta própria franco apoio à candidatura do político carioca.

Surge o “Broco do Jacu”, um dos responsáveis pela explosão do Carnaval de rua em Salvador. Criado pelo compositor Walter Queiroz, o “Jacu” arrastaria multidões nos anos seguintes, sempre trazendo convidados ilustres para a avenida. Sua característica principal, além da mortalha azul, é ausência de corda, usada pelos outros blocos como “medida de proteção”.

O filme Deus e o Diabo na Terra do Sol, de Glauber Rocha, é exibido no Rio de Janeiro, recebendo muitos elogios da crítica especializada.

Cartaz do Filme “Deus e o Diabo na Terra do Sol”, de Glaubger Rocha.

Cartaz do Filme
“Deus e o Diabo na Terra do Sol”,
de Glaubger Rocha.

Salvador ganha uma nova casa de espetáculos, o Teatro Vila Velha, obra do grupo Teatro dos Novos, que, por meio de campanhas, livros de ouro, bingos e outras iniciativas do gênero durante 4 anos, conseguiu levantar o dinheiro para a construção, em terreno cedido pelo ex-governador Juracy Magalhães, no Passeio Público. Na inauguração, em julho, o grupo montou uma exposição de cenários, figurinos e programas de suas produções, além de fotografias de Silvio Lobato, sobre a construção do prédio. Em agosto acontece o primeiro espetáculo da casa, o show de música Nós, por exemplo, início da carreira de Caetano Veloso, Gilberto Gil, Maria Bethânia, Gal Costa, Tomé, Acevando Luz, Antônio Renato, Djalma Correa e Fernando Lona.

Morre o “Trovador do Mercado Modelo”, Cuíca de Santo Amaro, aos 56 anos de idade. Figura pitoresca e bastante controvertida, dedicou-se à poesia circunstancial, versando sobre eventos do dia a dia. Os seus folhetos, produzidos com incrível prodigalidade a partir do início da década de 40, compõem um painel popular da vida baiana, um documento picante, muitas vezes irônico, de todo o período em que exerceu sua atividade de poeta-repórter. Batizado como José Gomes, nasceu em Salvador, onde viveu toda a sua vida, sempre mercando seus livretos em pontos de maior concentração popular – a estação da Leste, na Calçada, o pátio da Navegação Baiana, o Taboão e, principalmente, a Praça Cairo, em frente ao Elevador Lacerda. A alcunha famosa veio em decorrência da sua predileção pela cidade de Santo Amaro, onde tinha muitos amigos e fazia muitas serenatas. Por volta de 1936, ali conheceu Maria do Carmo, sua companheira até o fim da vida e com quem teve cinco filhos. Não foi um dos melhores versificadores, mas deixa uma obra singular como repórter popular das massas, o registro mais completo de uma época já oferecido pela literatura de cordel.

“Uns oitocentos folhetos Cuíca em vida escreveu Como poeta-repórter Outro igual não apareceu A Bahia tem saudade Que pouco tempo viveu” (Rodolfo Coelho Cavalcanti. Cuíca de Santo Amaro, o poeta popular que eu conheci)

“Uns oitocentos folhetos
Cuíca em vida escreveu
Como poeta-repórter
Outro igual não apareceu
A Bahia tem saudade
Que pouco tempo viveu”
(Rodolfo Coelho Cavalcanti.
Cuíca de Santo Amaro,
o poeta popular que eu conheci)

A Bahia sente-se particularmente atingida com a notícia da morte de Ary Barroso, no Rio de Janeiro. Grande inspiradora do compositor, imortalizada na sua “Baixa dos Sapateiros”, a cidade do Salvador lhe retribui o gesto de carinho, embora postumamente, com a outorga do título de cidadão pela Câmara de Vereadores.

[…] de Água de Meninos, localizada na base da montanha, à beira […] a que lhe dá o nome, arde em chamas durante vários dias. Des[…]ece, assim, comércio público dos mais característicos da cidade, que […]gregava todas as classes sociais. Levantada a hipótese de ação crin[…], dada a reincidência do fogo até a total destruição das barracas, já s[…] a sua transferência para a enseada de São Joaquim, na avenida Freo[…] Pontes. A feira, pela sua importância social, sempre foi tema da Literatura e de alguns filmes, como “A Grande Feira” e “Sol Sobre a Lama” e o cordel de Rodolto Coelho Cavalcante a gravou para sempre na linguagem do povo.

“Dia cinco de setembro
Na capital da Bahia
Às 15h de sábado
Foi um doloroso dia
Nos mais tristes desatinos
Feira de Água de Meninos
Numa fogueira se ardia”.

(Rodolfo Coelho Cavalcante)

 A Bahia recebe a visita do presidente do Senegal (África), Leopold Sedar Senghor, que é recebido pelo professor da UFBA, Pedro Moacir Maia. O presidente, grande poeta e um dos maiores intelectuais do seu país, promete ampliar as relações entre a Bahia e o Senegal, uma vez que lá já existem cursos de cultura brasileira e um programa radiofônico dominical denominado “Aquarela do Brasil”.

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